domingo, 25 de janeiro de 2015

Elijah



Elijah


O número de habitantes da Cidade Universitária só aumentava mês após mês. Elijah, como um dos mais antigos ali, se sentia na obrigação de se aproximar dos recém-chegados, oferecendo apoio e uma boa conversa. Acabou se tornando conselheiro de muitos e amigo da maioria. Dedicou um tempo à tarde para ver Nicky e o filho dela no hospital, que se recuperava bem, graças à dedicação do Dr. Hoyer.
Quando saiu de lá, o céu já estava escurecendo e começava a esfriar. Exatamente o tipo de noite em que Faith gostaria de sair pra caminhar um pouco. Já tinha passado o dia inteiro sem ir vê-la, ela estaria angustiada e preocupada. Elijah passou em um dos mercados, comprou uma caixa de chocolates de diversos sabores e seguiu caminho até ela.
Teria que ir até a mansão principal, onde Lisa morava. Lá também ficavam hóspedes especiais, os recém-transformados e Faith. Lisa não ficaria longe dela, era sua primeira filha de proteção e exercia o cargo de conselheira principal, até o dia em que ficou frente a frente com Natasha.
A porta dela estava aberta, mas ele bateu mesmo assim e só entrou depois de ouvir a sua voz, doce e suave como de costume.
- Elijah? É você? Entre.
Ao entrar viu o sorriso aparecer no rosto dela, junto com a empolgação de tê-lo por perto. Aquela cena sempre mudava o pior dos dias em um momento que desejava que se estendesse por séculos.
- Sou eu sim. Como você está? – ele entra fechando a porta.
- Um pouco nervosa. Você demorou demais hoje. Aconteceu alguma coisa? – ela afasta alguns papéis da cama dando espaço pra que ele sente ao seu lado. Os cabelos longos e loiros estavam soltos e levemente despenteados e já vestia suas roupas de dormir. Seu rosto, jovem e belo, parecia cansado. As mãos tremiam um pouco e não parava de olhar para a janela.
- Tive que conversar com muitas pessoas hoje, minha princesa. – Elijah volta a ficar de pé, fecha as cortinas e se senta na cama novamente.
- Trouxe alguma coisa pra mim hoje?
- Trouxe sim. – Ele ajeita o cabelo dela – Hoje eu conseguir trazer pedrinhas dos riachos.
- E isso tem gosto de quê? – ela franze o cenho.
- Tem gosto de sol e chuva. De ar livre e de canto de pássaros. – Elijah se encosta na cabeceira da cama e passa o braço ao redor do corpo dela, a abraçando.
- Você já me trouxe algo com o gosto parecido, mas isso parece melhor. Onde está?
- Aqui... – ele a entrega a caixinha de chocolates abrindo a embalagem, colocando um em sua boca.
- Esse tem gosto de chuva. Sinto falta da chuva. – ela apoia a cabeça no peito dele, mordendo pedaços pequenos de chocolate.
- Você pode senti-la de novo, é só vir comigo na próxima vez que chover.
- Não! Você sabe que eu não posso. Eu não posso sair! Se eu sair ela vai ver e vai vir atrás de mim. Ela pode me machucar, também machucaria a Lisa, o Troy e você! Eu não quero isso. Por favor, me deixe ficar aqui, por favor! – Faith se descontrola, passando a tremer mais.
- Hey, se acalma. – Ele a abraça mais forte, beijando-a na testa. – Ela está bem longe daqui, estamos em um lugar seguro. Não precisa ter medo. Muitas pessoas estão andando lá fora e estão todas bem.
- Eu tenho medo. Deixa eu ficar aqui, eu não quero sair. – Ela começa a chorar assustada.
- Tudo bem, você não precisa sair. Não chora, meu amor. Eu vou ficar aqui com você e não vou te forçar a ir lá.
Aos poucos ela volta ao normal, comendo mais doces. Os olhos azuis pesavam de sono. Após tomar um pouco de água e escovar os dentes, continuaram conversando um sobre o dia do outro até que ela se rendeu ao cansaço, dormindo abraçada a ele.
Seu sono era sempre agitado e ele fazia questão de permanecer por perto e se sentia responsável por ela. Os que moravam a menos tempo na Cidade Universitária nem imaginavam que os dois eram casados. Primeiramente porque ela nunca era vista. Os que sabiam de sua existência, só sabiam que ela vivia em um dos quartos da mansão de Lisa e de lá não saía. Outro motivo eram os comentários sobre sua aparência muito mais jovem do que ele. Muitos boatos eram criados sobre o assunto.
A verdade é que eram mesmo casados fazia muito tempo. Faith aparentava ter talvez até menos do que vinte anos, enquanto ele parecia ter o dobro disso. Mas isso era apenas a aparência. Ela tinha nascido ainda antes dele.
Elijah e Faith ainda usavam suas alianças de casamento, embora fizesse tempo que não vivessem como casados. Dormiam abraçados, nada mais do que isso. Perto dele, ela conseguia se sentir segura. Ainda o amava, mas não o enxergava mais como seu marido. Na sua mente, aquilo não existia mais.
No tempo que passavam juntos, falavam sobre a lua, o sol, chuva, pássaros, doces e cores. Não trocavam beijos, pelo menos não nos lábios. Se ele a beijasse ela se sentiria confusa. Se
sentisse a mão dele a tocando, se afastaria como uma criança amedrontada. Por esses motivos, Elijah se limitava a vê-la dormir, mexendo-se inquietamente entre um pesadelo e outro.
Não a deixaria por nada, não trocaria a sensação de tê-la por perto por coisa alguma no universo inteiro. Apenas desejava ter sua mulher de volta.

Lisa



Lisa


Tinha acordado com uma sensação diferente, mas tudo permanecia igual. Tudo estava igual, aliás, e isso não soava muito bem. Após concluir a rotina matinal, caminhando pelo campus e conversando com alunos, Lisa seguiu em direção à sala dos professores. Estava estranhamente silenciosa, a não ser por um som baixo de música. Ao se aproximar mais, deparou com Elijah dedilhando uma guitarra. Ela encostou-se na parede, cruzando os braços, sorrindo e admirando a concentração do professor.
Seu cabelo era escuro e longo o suficiente para que cobrisse o rosto, enquanto tocava sentado em um pequeno banco. A melodia era doce e os dedos dele passeavam pelas cordas formando os acordes. Tinha um tom melancólico e esperançoso ao mesmo tempo, parecia transbordar mais contradições do que o seu próprio compositor.
A um metro de distância dele, Lisa sentiu e viu que uma lágrima caia, molhando o instrumento. Logo após a primeira, caíram a segunda, a terceira e a décima. Em passos silenciosos, ela chegou mais perto, abaixando-se e tocando seus cabelos, afastando-os e olhando nos olhos dele que logo passou a mão no rosto secando-se.
- Perdão, precisa de mim? – Ele se endireitou pousando a guitarra ao lado.
- Sim, vou sempre precisar. Precisar que me procure quando for necessário ao invés de se isolar. – Ela toca o rosto dele, beijando sua testa maternalmente.
Ele sorri e a olha novamente. – A Faith perguntou muito sobre você. Ela fica agitada durante suas viagens.
- Por isso mesmo que ir vê-la foi uma das primeiras coisas que eu fiz ontem quando cheguei. – Lisa dá um tapinha na perna de Elijah e levanta-se, abrindo um caderno deixado em cima da mesa.
- E a viagem? Foi bem-sucedida? – Ele pergunta sentando-se à mesa.
- Na medida do possível, sim. Sarah tem tudo sob controle e pelo visto a Amber não planeja nenhuma loucura.
- Lisa, isso é arriscado. A vadia loira é esperta, ela vai acabar percebendo.
- Vadia loira! –Troy entra na sala deixando a bolsa de lado – Um dos meus assuntos preferidos, só que ao contrário, como diz a Lizzie.
- Lizzie, Lizzie – Elijah ri se recompondo – O dia mal começou e já está pensando nela...
- A menina vive no meu pé, nada mais natural que eu acabe pegando vícios de linguagem dela. – Troy dá de ombros.
- Só pega os vícios de linguagem... Uhum... – diz Elijah.
Lisa ri e senta-se na cadeira da ponta.
- Não importa quantas décadas passem, vocês nunca vão mudar.
- A Lizzie é minha aluna. Além disso, tenho idade para ser avô do bisavô dela. –Troy assopra o café pegando livros na estante.
- Isso não quer dizer nada. Em que mundo você vive, cara? – Elijah olha para Lisa – Não estou certo?
- É. Eu concordo... – diz Lisa depois de ponderar uma resposta – Acho que a menina gosta mesmo de você, Troy. Seus olhos verdes fazem sucesso.
- Melhor a gente voltar a falar sobre a vaca loira. – ele se senta na cadeira mais próxima de Lisa, a cadeira de vice-diretor.
- Melhor não é. Seu caso “quase-amoroso” com a minúscula é bem mais agradável. – Elijah diz. – Porém, isso sim tira o meu sono.
- Os nossos. – Troy pega mais café.
- Indo direto ao assunto – Lisa diz – Eu confio na Sarah. E se ela diz que confia na pessoa em que está nos passando as informações sobre a Amber, então eu me sinto tranquila pelo menos quanto a isso.
- Notícias sobre a Natasha? – Elijah pergunta.
- Nenhuma. – Lisa movimenta a cabeça negativamente – O que pode não ser um bom sinal.
- E o que fazemos agora? – Troy se encosta na cadeira deixando os livros de lado – As pessoas estão seguras aqui, algumas eu poderia dizer que quase já se esqueceram ou se conformaram com a realidade do que acontece lá fora. Isso não é bom. Precisamos reagir de alguma forma.
- A verdade é que eu não sei. – Lisa olha para ele – Eu não digo isso na frente dos outros pra que não pensem que perdemos o controle, mas eu não sei o que fazer. Não sinto que estamos preparados para começar tudo isso de novo. Seriam muito mais perdas.
Elijah assume uma postura séria olhando fixamente para a mesa, até romper o silêncio.
- Concordo que não estamos realmente preparados, mas o Troy está certo, Lisa. A casa da Florence pode nos dar apoio. Eu mesmo posso ficar responsável por uma das equipes. Conheço outros que também viriam de bom grado para o nosso lado, eu só preciso de sua permissão. – Elijah volta a olhar para Lisa – Sabe o quanto eu perdi da última vez, mas há algo ainda maior do que tudo isso.
Lisa suspira e permanece em silêncio.
- Podemos ir ainda além. – Troy diz – É só eu ligar para o meu irmão. Aquele imbecil lidera a F.O.O.W. há décadas.
- Enlouqueceu? – Elijah arregala os olhos – Não temos nada a ver com a F.O.O.W. Seria um absurdo colocar eles dentro disso.
- Eu sei que não mantemos conexão alguma com eles e é por isso que não comento sobre meu irmão aqui dentro. Mas não podemos ir à guerra contando apenas com crianças. Por mais que os professores estejam fazendo um ótimo trabalho com eles, ainda não têm a experiência necessária. Nos treinos eles erram e recomeçam. Lá eles vão morrer e isso é tudo. A F.O.O.W. voltou a crescer, eles têm muito mais membros agora. Isso pode ser decisivo.
- Eu entendo a visão de vocês dois. – Lisa intervém – Não há como fugir disso, então nós vamos precisar de apoio. Elijah, entre em contato com as pessoas que você conhece, trague o maior número que puder. Troy, ligue para a Florence e peça que ela venha aqui. Eu quero conversar pessoalmente com ela. Quanto a F.O.O.W. eu preciso de um tempo para analisar a ideia. Os integrantes dessa... organização não têm fama de gostar de seguir muitas regras, mas não vou descartar a ideia de conversar com o seu irmão. Os alunos mais novos continuarão estudando e treinando, os graduados serão convocados para uma reunião amanhã de noite. Vocês já sabem o que isso significa. – Lisa respira fundo - E que a deusa nos ajude.
- E que a deusa nos proteja. –Troy e Elijah respondem juntos.
Alguém bate na porta e depois de dada a permissão, Lizzie entra. Uma menina pequena e magrinha, com olhos azuis claros e traços delicados. Cabelos negros e repicados na altura do ombro tatuado com desenhos de guirlandas de flores vermelhas.
- Desculpe incomodar, mas chegou um carinha querendo falar com a senhora. Ele diz que te conhece. Acho que veio querendo ficar.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Prólogo


Lisa
Londres (flashforward)

Como pedir a uma pessoa para manter a calma ao sentir a morte se aproximando? Como irei convencê-lo a não entrar em pânico se seu corpo não o obedece, ficando cada vez mais fraco e febril? Não é a primeira vez que alguém precisa de mim dessa forma. Já deveria ter me acostumado, mas acho que é assim que deve ser, nós estamos conectados agora. Tenho que dividir o medo, o pavor dele comigo, carregar seu peso. Apesar de o meu próprio pânico crescer a cada instante, não posso deixar que ele veja isso nos meus olhos.
É difícil de acreditar que justo ele seja meu novo protegido. Como não previ isso? Como não senti que isso aconteceria?
As mãos dele seguram a minha com o pouco de força que ainda lhe resta. Ele quer tentar dizer algo, mas suas palavras sussurradas estão longe de serem compreendidas. Mantenho seu corpo no meu colo, afagando seu cabelo e até mesmo tento sorrir. Que hora para uma mudança! Em meio ao caos.

Os outros nos olham preocupados sem entender o que está acontecendo, mantenho-os afastados e me foco em tranquilizá-lo. Aproximo meu rosto do dele, toco sua testa na minha. Sua pele quente e a minha fria, como dois opostos procurando por um equilíbrio. Um servindo ao outro o que pode oferecer.